Figueira de Castelo Rodrigo

Enquadramento geográfico e administrativo

Figueira de Castelo Rodrigo é uma freguesia portuguesa do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, com 34,05 km² de área e 2 253 habitantes (2001). Densidade: 66,2 hab/km².



A granja

A freguesia de São Vicente de Figueira teve a sua origem numa modesta granja do convento cisterciense de Santa Maria de Aguiar, igual a tantas outras que as instituições monásticas, sob a protecção dos monarcas cristãos, criavam nas regiões peninsulares relativamente despovoadas em virtude da dominação árabe, com a finalidade de nelas fixar as populações e promover o seu desenvolvimento.
Atendendo à proximidade a que a localidade se encontra do mosteiro é bastante provável que as autoridades monásticas tenham adoptado na primitiva granja de São Vicente de Figueira um esquema de exploração em conformidade com o esquema clássico deste tipo de propriedade. Seria certamemente uma forma de exploração directa exercida através de um punhado de monges laicos conversos e, eventualmente, alguns assalariados que se dedicariam à lavoura, à pastorícia e a outras actividades sob a superintendência ocasional de um feitor, (magister grangiae), e a supervisão sistemática de um mordomo (majordomus), a quem competia zelar pela quantidade e qualidade da produção e encaminhá-la ao armazém (cellarium) da abadia sob a guarda de um «celeireiro». Só mais tarde a granja teria evoluído para um sistema misto ou de arrendamento a particulares, através contratos predominantemente vitalícios mas que implicavam por parte dos rendeiros a necessidade de proverem a granja de equipamentos e estruturas imprescindíveis à sua exploração.

Combinando as evidências históricas com o esquema descritivo que Júlio Borges faz das granjas de Santa Maria de Aguiar [1] e alguma dose de imaginação, poderíamos recriar para a área contígua à Igreja matriz da actual vila de Figueira de Castelo uma imagem aproximada do que ela seria no tempo em que não passava disso mesmo: Uma granja!

1508 - Documento do Mosteiro de Santa Maria de Aguiar - Arrendamento em vida a Francisco da Pena e mulher de uma horta e seus pertences, no lugar de Figueira...


...por um almude de vinho, três galinhas, setenta reis, quatro fangas de centeio e o dízimo do que Deus der.

A aldeia
Não se sabe, com exactidão, quando é que a primitiva granja terá sido criada, mas tendo em conta os estudos já efectuados por Lindley Cintra [2], José Joaquim da Silva [3] e Júlio Borges [4] sobre uma parte considerável do acervo documental do cartório do mosteiro que se guarda na Torre do Tombo, não há dúvida que o foi antes do século XIV, pois em 1303 o lugar de «ffygeira» é mencionado numa «Avença e escambo que fizeram o mosteiro de Santa Maria de Aguiar e João Domingos de bens situados em Castela por outros em Portugal». Em 1442 já possuía uma igreja com o respectivo abade. Em 1459 surge um litígio entre o abade do mosteiro e o bispado de Lamego a propósito dos direitos espirituais sobre a paróquia de S. Vicente de Figueira, alegando o primeiro que esses direitos lhe pertenciam por a paróquia já ter sido sido uma granja do mosteiro. A questão levou a que o Papa Pio II interviesse através de uma bula datada daquele ano, considerando a alegação e ordenando o Juiz Apostólico, abade de Salzedas, que averiguasse os factos. A existência de um abade paroquial desde 1459 em S. Vicente de Figueira autoriza-nos a inclui-la entre as demais paróquias de Ribacôa que sabemos terem sido subtraídas à diocese de Ciudad Rodrigo e integradas no Bispado Novo de Lamego, por uma bula ditada em 1403 pelo Papa Bonifácio IX, em resposta favorável ao apelo que lhe havia sido dirigido por D. João I.
Apesar do diferendo, que só terminou em 1462 com uma determinação do Juiz apostólico, favorável à causa defendida pelo primeiro litigante, no sentido de que a paróquia de S. Vicente de Figueira regressasse, assim que vagasse, à posse do mosteiro e que o abade deste lá passasse a pôr religiosos amovíveis, a verdade é que a comunidade paroquial foi crescendo e, durante os dois séculos que se seguiram, a aldeia foi-se libertando dos vínculos que o prendiam à instituição monástica. Com efeito, em 1694 os mordomos da freguesia de S. Vicente de Figueira já tomavam a liberdade de convidar clérigos de outras freguesias para as pregações além de que já era tido por antigo costume o contrato que ela tinha feito, para os mesmos fins, com a câmara de Castelo Rodrigo, a despeito dos clérigos do mosteiro. Desde então e até à extinção do mosteiro em 1834, a aldeia vizinha de São Vicente de Figueira foi sobrevivendo a muito custo ao estado de decadência que se abateu sobre aquela instituição e aos rastos de destruição deixadas pelas guerras, particularmente pelos prejuízos resultantes da terceira invasão francesa.
Na primeira década do século XVIII a aldeia de São Vicente de Figueira ainda se afigurava como uma localidade discreta e insignificante, como se pode depreender do facto de António Carvalho da Costa não a ter incluído no rol dos principais lugares do termo da vila de Castelo Rodrigo, no tomo II da sua Corografia, publicada em 1708. Aceitamos como fidedignos os dados demográficos que Carvalho da Costa regista, até mesmo para a Reigada, que então era vila com conselho próprio, assim como Escalhão, que o mesmo autor refere à parte do termo de Castelo Rodrigo.
Só para se ter uma ideia dos efectivos populacionais por povoação na primeira década do século XVIII (associando-se o termo vizinho ao termo fogo), refira-se que Castelo Rodrigo contava com apenas 80 vizinhos, Vilar de Amargo 110, Algodres 210, Freixeda do Torrão 320, Quintã do Pêro Martins 40, Penha de Águia 50, Almofala 68, Vilar Torpim 210, Escarigo 110, Vermiosa 160, Nave Redonda 40, Mata de Lobos 130, Reigada 120 e Escalhão 450. [5] Já então a população da vila de Castelo Rodrigo era diminuta e a situação tendeu a agravar-se nos sessenta anos que se seguiram, o que se vê pelas lamentações do seu reitor, José Lourenço Ferreira, que nas suas Memórias Paroquiais de 1758, reportando-se aos seus setenta e quatro vizinhos conclui tratar-se de "muito pouca gente para uma villa e Praça de Armas." Pela mesma data, a freguesia de Figueira, segundo o respectivo pároco em resposta ao mesmo inquérito que consta das Memórias Paroquiais, compunha-se de 187 vizinhos, o que comparando com os dados referidos atrás parece ser um efectivo populacional apreciável para uma povoação que meio século antes nem sequer aparecia nas «corografias» e pode servir de prova de que a aldeia estava em franco crescimento. Que causas podemos sublinhar para tal crescimento?

A vila
No decurso do século XVIII e primeiro terço do seguinte, passadas as provações da invasão napoleónica, a pacata aldeia de Figueira iria sair do anonimato e afirmar-se no quadro regional por força de um conjunto de circunstâncias. Já em 1747 o Pe Luís Cardozo anotava no seu inacabado Diccionario Geografico que a tradicional feira de Castelo Rodrigo havia passado para o lugar de Figueira, por aspereza do terreno da vila [6] e em 1758 o reitor da vila, José Lourenço Ferreira, a que já fizemos referência, haveria de realçar o mesmo facto, acrescentado que «à dita feira concorre muita gente de diversas partes, gados e comestíveis» e sugerindo que o progressivo despovoamento da vila nasceu daí: «a razão da mudança foi porque, neste tempo alguns Ministros e Vereadores ali moravam e queriam ter a feira à porta de casa. [...] porque no tempo presente, ordinariamente os vereadores são do dito lugar de Figueira , governando eles muitas vezes esta Villa e termo, dando permissão aos officiais de justiça e pessoas que têm partido na Câmara, vivam e sejam moradores no dito lugar de Figueira, se acha esta Villa tão falta de moradores e se vai demolindo pouco a pouco» [7]
Daí se conclui que, à medida que a antiga vila se arruinava e ia perdendo o papel central de outrora, tanto no plano geoestratégico e militar como no domínio económico, a alta sociedade ali provida nos mais altos cargos administrativos via-se atraída pelo lugar de Figueira como o lugar mais aprazível para edificar os seus palacetes e instalar-se aí, chegando mesmo a encorajar os seus funcionários a seguir-lhes o exemplo. Paralelamente a concorrida feira que para aqui já se havia transferido passaria a atrair todo o género de comerciantes e artesãos e servidores, transformando-se no centro da estrutura económica da região que continuava a ser servida pela movimentada via fluvial do Douro.
Não admira, pois, que a transferência de poder, que em 1832 já se adivinhava eminente perante a reforma administrativa empreendida por Mouzinho da Silveira, se consumasse no dia 25 de Junho de 1836. D. Maria II, através de uma carta referendada pelo ministro Agostinho José Freire naquela data, atribuía à aldeia de S. Vicente de Figueira o foro de vila e legitimava formalmente a passagem da sede do concelho de Castelo Rodrigo para a nova vila com a designação que hoje possui de Figueira de Castelo Rodrigo, servindo o determinativo para a distinguir de outros topónimos comuns, mas também para se guardar sempre homenagem à antiga sede.

Referências
1. BORGES, Júlio António, O Mosteiro de Santa Maria de Aguiar e os Monges de Cister, edição da Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo, 1997.
2. CINTRA, Luís Lindley, A Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984.
3. Silva, José Joaquim, Monografia de Figueira de Castelo Rodrigo.
4. BORGES, Júlio António, ob cit.
5. COSTA, António Carvalho da, 1650-1715Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal... / P. Antonio Carvalho da Costa. - Lisboa : na Off. de Valentim da Costa Deslandes, 1706-1712. - 3 vol.
6. CARDOSO, Luís, C.O., 16---1769, Diccionario geografico, ou noticia historica de todas as cidades, villas, lugares, e aldeas, Rios, Ribeiras, e Serras dos Reynos de Portugal e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontrão, assim antigas, como modernas. - Lisboa : Regia Offic. Silviana, 1747-1751. - 2 v, Tomo II, p. 540
7. Carlos Querido, Memórias da Vila das Águias, in jornal Ecos da Marofa, n.º 353 de 25-02-2007

1 comentário:

  1. Estimado Leonel: Agradezco tu articulo sobre Figueira do Castelo Rodrigo y quisiera pedirte si tienes datos sobre la estatua de San Vicente que se halla en la plaza enfrente de la puerta de la iglesia. Si me dieras datos sobre autor, material, fecha de realización, etc... podría ponerla en mi blog sobre San Vicente. Gracias por todo.

    http://viavicentius.blogspot.com
    caminodesanvicentemartir@hotmail.com

    ResponderEliminar